Por volta de 1995, a indústria dos games estava de pernas para o ar. Os consoles estavam cada vez mais populares graças a revolução do Playstation, que trouxe o que era apontado como o futuro dos consoles: os jogos em 3D. Além disso, pouco antes, um grande evento mudou o conteúdo e o foco nos games.
Entre 1993 e 1994, a indústria dos videogames enfrentou o desafio que definiu o que poderia ser jogado hoje, quando o Senador Joe Lieberman inflamou diversos pais e mães contra os jogos. Na ocasião, ele propôs a criação de um órgão regulador para definir quais jogos poderiam ser lançados ou não, somente autorizando a comercialização de títulos jogáveis por menores de 12 anos — ou seja, sem violência.
Apesar do impacto econômico na maioria das empresas na indústria dos jogos, e os efeitos na distribuição dos títulos no ocidente, a proposta tinha apoio da Nintendo, que só publicava jogos jogáveis por crianças, e da EA Games, que na época focava mais em games de esporte, permitidos na proposta.
Um dos reflexos desse evento foi a criação da classificação indicativa americana, o ESRB, que por um lado conscientiza pais e responsáveis sobre o conteúdo em cada título, mas que por outro acabou por popularizar os jogos violentos.
O efeito é similar ao selo Parental Advisory na indústria da música, que visava alertar os ouvintes sobre a presença de conteúdo maduro nas faixas. Segundo o estudo “Sex, Violence, Cursing: Explicit Lyrics Stickers Get Explicit”, divulgado pela MTV em junho de 2002, a presença do selo aumentava a venda de álbuns entre os jovens, levando artistas a colocarem xingamentos em alguma música apenas para se encaixar na categoria.
Selo que destacava álbuns maduros para os jovens.Fonte: Wikipedia
Na época, os jogos com classificação livre passaram a ser considerados por muitos como para crianças, enquanto os outros eram para jovens descolados e de atitude. Assim, nasceram títulos como Resident Evil, Killer Instinct no Super Nintendo e várias edições da sangrenta franquia Mortal Kombat.
O mercado de jogos mais maduros estava não só crescendo, mas borbulhando com novos títulos — e a Virgin Interactive, uma grande publisher de jogos clássicos de Mega Drive como Aladdin, Rei Leão e Earthworm Jim, também tinha percebido isso.
Então, entre 1994 e 1995, ela comprou todos os direitos para assim financiar e controlar um projeto exclusivo para Playstation 1, feito por um recém-criado estúdiocom apenas 12 funcionários chamado Paradox Development.
Só que esse projeto era bem diferente de qualquer coisa na época: um bizarro esporte milenar.
Jogos violentos
Sob o nome de Earth Monsters, o game era baseado no Ollamaliztli, também conhecido como Pok-ta-Pok ou jogo de bola mesoamericano. O esporte era uma espécie de ritual para agradar a deuses, contando com regras que variavam conforme a localização e o momento histórico.
Resumidamente, o Ollamaliztli consistia em dois times de cidades diferentes tentando arremessar uma bola pesada em um aro de pedra, sem poder usar mãos ou pés para isso, fazendo com que as partidas durassem horas e até dias. Ao fim do jogo, o time perdedor deveria ceder um de seus jogadores para ser sacrificado ao deus do outro time.
O esporte era extremamente violento e a bola também causava muitas lesões sérias nos jogadores, ou seja, uma inspiração perfeita para se fazer um jogo controversa no meio dos anos 1990 — mas, ao que parece, isso ainda não era o bastante.
A Virgin designou Havard Bonin para comandar o projeto como produtor, mesmo ele sendo apenas alguém da área administrativa, sem qualquer experiência anterior com a nova função. Logo, ele exigiu ainda mais violência gráfica em Earth Monsters. Sem poder discutir muito sobre, já que dependiam da publisher para financiar seu primeiro jogo, a pequena Paradox apenas concordou e começou o desenvolvimento.
Sem registros de suas primeiras versões, Earth Monsters contou com vários personagens astecas corpulentos e muito coloridos, que, segundo seus desenvolvedores, espancavam seus adversários impunemente em partidas 2 contra 2. Ainda sim, Bonin interviu na produção e pediu ainda mais violência gráfica, e a Paradox mais uma vez teve que acatar. Assim os personagens passaram a estripar os adversários, no melhor estilo Mortal Kombat.
Enquanto isso, a Malibu Comics, famosa pela péssima publicação de HQs de Street Fighter e de Mortal Kombat, começou a fazer quadrinhos hiperviolentos sobre o game, que acompanhariam seu lançamento. Por outro lado, a Virgin havia encomendado uma animação e até mesmo uma linha de brinquedos para o título — e tudo foi cancelado, abruptamente. O motivo? Havard Bonin queria ainda mais violência gráfica desenfreada. Então, a equipe da Paradox simplesmente lavou as mãos e aceitou o inevitável:
“O lance dos esportes é legal, mas você sabe o que torna esse jogo divertido? A luta!” — Dana De Lalla, artista em Thrill Kill
“Você sabe, o lance dos esportes é legal, mas você sabe o que torna esse jogo divertido? A luta!’ Nesse ponto, começamos a fazer um jogo de luta,” revelou Dana De Lalla, artista do título, em entrevista à Variety — e, assim, toda a história sobre esporte milenar foi descartada. Com isso, Paradox manteve somente o combate entre personagens, dando início ao projeto de codinome S&M, que posteriormente se tornou Thrill Kill.
Thrill Kill – O começo
Apesar de estranho, o plano do Bonin era, na verdade, bem simples: aproveitar o apelo da controvérsia e lançar o primeiro jogo não-erótico com a infame classificação AO pelo ESRB — ou seja, unicamente para adultos. Na prática, a ideia era ganhar ainda mais publicidade com a repercussão do título, tanto dos apoiadores quanto dos que protestavam contra esse tipo de jogo na época, como o já citado senador Joe Liebermann.
O plano, segundo Bonin, seria um troféu histórico e motivo de orgulho para os desenvolvedores, caso desse certo. Já a Paradox entendia que para convencer o público sobre o jogo e apresentar seu estúdio ao mundo, eles precisavam acima de tudo de um produto realmente bom e diferente.
Após tomar conhecimento do sucesso do Multitap — um acessório que possibilitava partidas de até quatro jogadores no PlayStation 1 —, todo o projeto foi redesenhado para comportar quatro lutadores em uma arena. Apesar do diferencial, Bonin ainda não estava satisfeito com o foco do jogo. Brian Gomez, um dos produtores do título, lembra bem do icônico momento onde um dos maiores plot twists aconteceu:
“Ouvíamos de Harvard: ‘Os socos e chutes são legais, mas eu quero arrancar a cabeça dos caras.’” — Brian Gomez, produtor de Thrill Kill
“Ouvíamos de Harvard: ‘Os socos e chutes são legais, mas eu quero arrancar a cabeça dos caras.’ Queriam as personagens femininas mais sensuais, aumentar os seios e diminuir as roupas. Então eu sabia que estávamos nesse tipo de trajetória,” Gomez comenta, “mesmo assim, nunca esquecerei quando tivemos aquela reunião quando Harvard entrou no escritório com uma grande pilha de revistas fetichistas e uma grande caixa de papelão com DVDs de BDSM, e disse, ‘Rapazes, aqui está sua nova direção de arte!’”
Havard Bonin, o produtor da Virgin.Fonte: Gamespy
Bonin exigia que as pessoas ficassem assistindo esse tipo de conteúdo adulto no trabalho, mas segundo relatos dos funcionários não forneceu nada muito além disso. A Paradox teve que se virar para fazer aquilo se tornar jogo: toda a história de Thrill Kill, incluindo o contexto de todos os personagens e seus finais, foi escrita em apenas duas folhas por uma pessoa terceirizada.
A narrativa, envolvendo pessoas más condenadas ao inferno e um torneio místico, é essencialmente uma adaptação sombria do famoso musical Cats, produzido pela Broadway, conforme admite o autor anônimo.
Bonin e o departamento de marketing da Virgin estavam muito mais concentrados em outra coisa: a criar ações de marketing que podemos classificar como, no mínimo, ousadas. “Na verdade, um plano promocional que eles discutiram era enviar discos de demonstração para pessoas que odiavam a violência dos videogames”, revelou David Ollman, programador-chefe do jogo em entrevista a VG247. E se você achou isso absurdo, saiba que não parou por aí.
A E3 de 1998 foi agitada.Fonte: Segredos dos Games
A Repercussão de Thrill Kill
Para se ter noção do nível, Harvard Bonin deu entrevista para a revista oficial da Playstation afirmando que Thrill Kill é o jogo mais “sombrio, desagradável, esquisito e simplesmente errado” já feito. Além disso, ele não viu problema no veículo afirmar que era o game mais imundo e depravado já criado, pois era exatamente o que ele queria. Já na grande E3 de 1998, no final de maio, a Virgin simplesmente extrapolou todos os limites.
Segundo o Los Angeles Times, Thrill Kill foi eleito o jogo mais popular da tradicional feira naquele ano. Um feito realmente muito impressionante, mas sabe porque isso aconteceu? Como revelou o diretor do game Kevin Mulhal no podcast Nerds Adulting, a Virgin havia contratado pessoas para ficarem na frente do stand atendendo os visitantes, mas essas pessoas simplesmente decidiram não aparecer para trabalhar com o título.
Então, pouco antes da abertura da E3, Bonin foi até um clube de entretenimento adulto local, contratou algumas strippers e as colocou no stand seminuas, usando apenas fantasias de látex, autorizadas a fazerem o que quisessem, enquanto chamavam sensualmente os jogadores para conhecerem o game durante a E3. Inacreditável, né?
Harvard Bonin chegou a contratar strippers para promover Thrill Kill na E3 de 1998.
Só que quando os jogadores paravam de olhar as jovens, eles realmente viam um jogo não só marcante, como realmente muito bom para aquela época, pois não era apenas bonito graficamente, mas que conseguia fazer o milagre de funcionar bem para 4 pessoas jogando ao mesmo tempo.
Para completar, Thrill Kill rodava a estáveis 30 frames por segundo, com 650 polígonos por personagem e 3D com iluminação dinâmica — tudo isso no limitadíssimo Playstation 1, muito antes de jogos como Smash Bros e Power Stone. Isso fez as revistas passarem a comentar ainda mais sobre Thrill Kill, transformando ele em um jogo altamente esperado pelos jogadores.
Sim, por mais estranha que a proposta e as ações de Havard Bonin e da Virgin possam parecer, as coisas estava realmente dando muito certo para Thrill Kill — e não era só pela atitude ousada.
“Na época, pensamos que estava se tornando um verdadeiro rival 3D do Mortal Kombat, que ainda era 2D na época”, disse o animador Robert Hunter, em entrevista a Arcade Attack. Entre 1997 e 1998, mesmo com a Nintendo e principalmente a EA lutando contra jogos mais maduros, diversos títulos haviam tentado seguir a onda de Mortal Kombat e usar a violência para se destacar, sem muito sucesso.
Nesse contexto, o trabalho da Paradox não só estava sendo muito bem recebido e aguardado, como o que deveria ser o grande expoente do nicho, o Mortal Kombat 4, não foi muito bem recebido pelo público quando apresentado nos fliperamas. Isso foi um ano antes de migrar para o mesmo 3D em que Thrill Kill tanto estava se destacando, em 1997 — ou seja, o momento era perfeito para um novo jogo do gênero explodir.
“Qualquer jogador que está cansado de ser alimentado com a mesma coisa repetidamente e aprecia ação intensa, direta e luta em 3D, vai gostar deste jogo! (…) Qualquer jogador que gosta de tirar onda e falar palavrão vai adorar Thrill Kill!”, Bonin disse isso em entrevista não apenas para causar, mas por causa da arma secreta do jogo: o gameplay.
Thrill Kill une o sistema de comandos de Tekken com algumas coisas de Mortal Kombat, porém, para favorecer o jogo ofensivo, não há barra de vida, mas sim um medidor que enche de acordo com a quantidade de golpes que você acerta nos adversários. Quem encher a barra primeiro, ativa o modo Thrill Kill e pode literalmente eliminar um dos oponentes se agarrá-lo a tempo.
Para a surpresa de absolutamente ninguém, como revelado pela revista Retro Gamer, os golpes favoritos de Havard Bonin eram dois agarrões bastante sugestivos, e ele não via nenhum problema em destacar isso abertamente em entrevistas. Por falas como essa que, cansados das ideias estranhas e exigências bizarras do produtor da Virgin, a equipe da Paradox criou um personagem baseado nele.
Trata-se do The Imp, um anão careca sadomasoquista de sunga bem justa e apertada que sonha em uma dia ser respeitado pelas pessoas, enquanto usa perna de pau para tentar parecer mais alto do que realmente é.
Mas apesar de tudo, Bonin conseguiu o que tanto queria. Quando a avaliação do ESRB para Thrill Kill foi publicada, o tão sonhado troféu que ele tanto queria foi alcançado. O jogo recebeu a classificação mais alta possível, Adults Only — Somente para Adultos. Pouco depois a Sony avaliou o game e o aprovou para ser publicado no Playstation.
Tudo estava dando certo! Logo uma janela de lançamento foi marcada internamente: entre julho e agosto de 1998 e, com isso, as negociações e planejamentos para Thrill Kill 2 começaram a ser feitos internamente. O problema é que como diz o velho ditado: “quanto mais alto, maior o tombo”. Apesar de quase tudo estar indo muito bem, de repente, tudo foi por água abaixo.
O maior problema de Thrill Kill
Bonin buscou tanto ter um jogo com o selo de Somente para Adultos, que sequer entendeu o que aquilo significava para o resto das pessoas. Esse grande selo dizia que devido ao teor explícito de Thrill Kill, ele somente poderia ser vendido em casas de entretenimento adulto, não nas lojas de varejo comum.
Então, mesmo com a Virgin colocando o jogo em seu catálogo de pedidos, praticamente todas as lojas e revendedores estavam se negando a vender Thrill Kill e, com isso, todo o seu gigantesco investimento em marketing e produção estava indo pro lixo. A empresa contava com o sucesso do título para sair dos problemas financeiros em que se encontrava, logo, só restou a pergunta: como fazer o jogo ser vendido e dar lucro?
Com isso, após mais de 2 anos de produção, o produtor Havard Bonin apareceu no estúdio da Paradox e disse que eles tinham que diminuir o conteúdo adulto, “sombrio, desagradável, esquisito e simplesmente errado” que ele mesmo tinha obrigado eles a por.
“Foi simplesmente ridículo. (…) Belladonna tinha um movimento final onde fazíamos parecer que ela estava fazendo sexo oral na vítima antes de finalizá-la. Bem, nós mudamos isso para ela apenas fazendo cócegas neles,” contou o animador De Lalla. Enquanto isso, em entrevistas na mídia, como a que deu para a Videogame.com, Havard Bonin mudava completamente o tom das palavras sobre o conteúdo do game: “Eu realmente odeio focar na violência, vamos falar da jogabilidade.”
Para se tornar algo um pouco diferente daquilo pelo qual ficou conhecido, Thrill Kill acabou sendo atrasado internamente para outubro de 1998 e anunciado publicamente para o fim daquele ano. Isso agravou ainda mais a crise financeira da Virgin, que esperava uma boa entrada de dinheiro com a venda do game, mas que agora tinha que pagar pelos funcionários e o marketing por mais alguns meses.
Logo as crescentes notícias sobre uma possível falência da Virgin Interactive deram lugar a outras manchetes. Um comprador para ela surgiu e era uma empresa importante na indústria dos jogos: a EA Games.
EA assume Thrill Kill
Mesmo com seu forte posicionamento contra jogos que não fossem para toda a família, a EA sabia que estava pagando por uma empresa com vários jogos assim. Com um deles basicamente pronto e a possibilidade de recuperar o dinheiro investido, sem riscos para o nome da empresa, a Paradox acreditava que a nova dona não iria jogar fora todo o trabalho feito, como o tornaria ainda maior.
Então, de acordo com a CNN, em 17 agosto de 1998 a EA oficializou a compra de uma importante parte do setor de games da Virgin por US$122 milhões. No mês seguinte, a Paradox concluiu a produção do jogo conseguindo retirar boa parte do conteúdo para maiores e assim obtendo a mesma classificação indicativa de conteúdo que Mortal Kombat sempre recebe, podendo então ser vendido normalmente no varejo junto dele.
Porém as semanas passaram, outubro chegou e nada de data de lançamento ou qualquer resposta ou comunicação da EA. Os funcionários ficaram simplesmente parados esperando para saber o que iria acontecer, tanto que no dia 6 de outubro de 1998, a fundadora e presidente da Paradox, Christine Hsu, foi cobrada pela IGN e os jogadores sobre se o jogo seria lançado ou não.
E ela muito sinceramente respondeu: “De todas as pessoas aqui da Paradox, e do fundo de nossos corações, realmente esperamos que este jogo seja lançado, mas quanto ao status do jogo, eu realmente não sei. Eu gostaria de saber.”
Publicidade dizendo que os jogadores podem vender suas almas e jogar o jogo “mais depravado”.Fonte: Variety
Dois dias depois, após muita cobrança da mídia especializada e dos jogadores, a EA finalmente se pronunciou sobre através de sua diretora de comunicação, Patricia Becker, em uma nota oficial: “Quando você olha para Mortal Kombat, você olha para um jogo de luta, que é diferente de um jogo de matança sádico. Thrill Kill é um jogo de matança. O produto não atendeu aos nossos padrões de conteúdo apropriado.”
A EA simplesmente tinha cancelado Thrill Kill pouco depois de comprar a Virgin e, provavelmente prevendo a revolta, decidiu não avisar a ninguém sobre, nem mesmo aos desenvolvedores que trabalharam no jogo por 3 anos seguidos. Eles só descobriram sobre o cancelamento quase dois meses após a compra, de forma completamente sem querer, em um dia comum de outubro enquanto estavam no escritório esperando e lendo notícias sobre games.
“O que eu me lembro depois que a notícia saiu é de todos vagando em choque total, como na cena de um grande desastre. Foi aquele aperto no estômago. Quando soubemos que a EA tinha acabado de cancelar algo em que colocamos nossos corações e almas (…) todo mundo ficou arrasado”, lamentou o animador Robert Hunter.
A atitude repercutiu imediatamente. Segundo a Zdnet, enquanto a EA passou a receber várias mensagens raivosas dos jogadores, a Paradox passou a receber diversas cartas de carinho. Além disso, recebeu também visitas e telefonemas de várias importantes empresas da indústria dos games não só mostrando grande apoio a eles, mas também oferecendo verdadeiros cheques em branco para comprarem os direitos de Thrill Kill e assim publicá-lo no mercado.
Entre elas estava, por exemplo, a gigante Eidos, de Tomb Raider, mas desde o começo a Paradox havia repassado os direitos para a Virgin, e a compradora da Virgin acrescentou algo especificamente sobre isso em seu pronunciamento.
“Decidimos que a EA não publicaria Thrill Kill e também decidimos que a EA não venderia a licença para outra empresa. Sentimos que esse não era o tipo de título que queríamos ver no mercado. Não achamos que o conteúdo do jogo seja apropriado, independentemente de quem o publica.”
Comercial de Thrill Kill que nunca foi ao ar.
A atitude deixou todos ainda mais revoltados. O ex-vice-presidente de design da Virgin, Julian Rignall, que foi um dos que aprovou a produção de Thrill Kill, esbravejou sobre em uma entrevista a IGN: “Decidimos fazer um jogo de luta classificado para adultos, projetado para adultos. (…) Chamar o conteúdo do jogo de inapropriado é ridículo — desde quando a EA tem sido o cão de guarda moral dos jogos? A indústria tem um sistema de classificação que cuida disso! E, finalmente, a escolha deve ser do consumidor!”
Ainda mais revoltado ficou o animador da Paradox, Robert Hunter: “A EA poderia facilmente ter vendido para outra pessoa, ou ter removido a violência, mas eles sequer consideraram isso? Não, não consideraram! Eles só queriam fazer uma declaração de relações públicas. ‘Olha, nós somos a EA familiar’. Mesmo naquela época, eles já estavam enganando pequenos desenvolvedores.”
O sucesso do download de Thrill Kill
Mas se a EA queria que ninguém jogasse Thrill Kill, já que ela decidiu que sua violência era inapropriada para os jogadores, seu plano rapidamente iria por água abaixo. Logo após o cancelamento do game, alguém, provavelmente da Virgin ou da Paradox, colocou várias versões do jogo na internet para qualquer um baixar e jogar… De graça!
Tanto a versão posteriormente censurada quanto a original, exclusiva para adultos, foram vazas, tornando Thrill Kill um sucesso instantâneo. O hype do público pelo jogo era tanto, que alguns jogadores mais espertos vendiam cópias do disco pirata por US$ 200 cada! Pouco depois, o jogo se tornou uma das ROMs mais baixadas da internet na época, segundo a Kotaku.
A Paradox também não ficou parada. Sabendo que não teria como se sustentar sem trabalho, ela agiu rápido e teve a ideia de modificar a engine criada por eles e começou a criar uma espécie de sequência para Thrill Kill, sob o codinome de ‘FUBAR”, só que agora sem precisar seguir as ideias estranhas de Havard Bonin.
A equipe apresentou o projeto para os estúdios que haviam mostrado interesse pelo primeiro jogo e muito rapidamente conseguiu um acordo com a gigante Activision. Tratava-se de um ótimo contrato para adaptar a sequência de Thrill Kill e transformá-la em um jogo licenciado do famoso grupo de hip-hop Wu Tang Clan.
Pouco mais de um ano depois, foi lançado com relativo sucesso para Playstation 1: Wu Tang Shaolin Style, bem recebido pelos jogadores e crítica, abrindo as portas para grandes jogos que misturam cultura hip hop e artes marciais, como Street Fighter 6 e Def Jam.
Embora não seja um dos melhores jogos de luta do Playstation 1, Thrill Kill se tornou um verdadeiro clássico cult com muitos seguidores. Os próprios desenvolvedores, inclusive, já afirmaram que esperam relançá-lo algum dia através de um financiamento coletivo ou remasterizá-lo em para novas plataformas. Até uma Ultimate Edition foi feita por fãs anos depois e também esgotou logo após o anúncio.
Thrill Kill alcançou muito mais pessoas pelo mundo do que alcançaria se tivesse sido vendido normalmente a preço cheio e de quebra ainda alavancou a Paradox Development e seus funcionários. Com uma engine incrível, o estúdio passou a receber vários trabalhos, cuidando inclusive dos jogos de luta oficiais da franquia X-Men, até ser comprada pela gigantesca Midway após o excelente trabalho com o sucesso Mortal Kombat Shaolin Monks.
Após o fim da Midway, os funcionários que criaram Thrill Kill foram espalhados pelo mercado e passaram a trabalhar ou até comandar setores de grandes franquias de games como Call of Duty, Persona, Tony Hawk Pro Skate, Doom, Hi-Fi Rush, God of War e muitos outros.
Um ótimo exemplo do que foi o bizarro furacão Thrill Kill na vida da equipe da Paradox, é o ex-funcionário Brian Gomez. Como conta em entrevista, ele foi assistente de produção no game e após toda a experiência bizarra, simplesmente decidiu mudar de vida e virar um mochileiro. Um dia, no começo dos anos 2000, indo de trem visitar uma região muito no interior da Escócia, ele foi parado por um homem que perguntou sobre o boné com a logo de Thrill Kill que estava usando.
Brian explicou que ele tinha aquilo pois foi um dos desenvolvedores do game, o que deixou aquela pessoa extremamente maravilhada, já que Thrill Kill era um dos jogos que ele mais tinha jogado e gostado na vida inteira. “Lembro-me de perguntar a ele: ‘como diabos você conhece isso?’ E ele basicamente disse que comprou em uma feira de usados por cinco libras, na traseira da van de alguém. E então eu fiquei apenas sentado lá, estupefato.”