Jogo na Javari tem olheiro do RJ, 'canta ou sai' e fila gigante para guloseima

A ideia surgiu uns meses atrás, em um bate-papo em uma roda de colegas, entre eles eu, que estudaram juntos na infância e/ou adolescência e se encontravam para um happy hour.

Falávamos de futebol, e em determinado momento o papo se direcionou para estádios, quem já tinha ido a esse o àquele (Morumbi, Pacaembu, Vila Belmiro, Canindé, entre outros) e quem não tinha.

Um comentário aqui, outro ali, e eu mencionei que não conhecia um estádio muito famoso, o do Juventus, na rua Javari, no bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo. Eric, um dos presentes, disse o mesmo.

Cinquentões, percebemos o absurdo e decidimos que teríamos de comparecer ao Conde Rodolfo Crespi, o estádio sem iluminação (só recebe jogos diurnos) em que Pelé fez aos 19 anos, em 1959, o gol reconhecido como o mais bonito de sua carreira.

Nossas agendas eram concorridas e nem sempre o Juventus atuava como mandante aos sábados ou domingos. Passadas algumas semanas, enfim conseguimos combinar de ver uma partida, Juventus x Oeste, às 10h do domingo (27), pela Copa Paulista.

Um aparte para explicar do que se trata essa competição.

Organizada pela Federação Paulista de Futebol, a Copa Paulista reúne 18 clubes, divididos em três grupos, regionalizados, de seis cada um. Classificam-se para os mata-matas oito times, os dois primeiros de cada chave mais os dois melhores terceiros colocados.

O campeão da Copa Paulista-2023 tem o direito a fazer uma escolha: ou participar da Copa do Brasil de 2024 ou ganhar uma vaga na Série D (quarta divisão) do Campeonato Brasileiro. O vice fica com o prêmio que o campeão não quis.

Feita essa contextualização sobre o torneio, admito que isso para mim pouco importava. O que eu queria mesmo era pisar nas dependências do estádio, saber como era a atmosfera de uma partida na rua Javari.

Eric sugeriu comprarmos ingresso de cadeira, mas eu retruquei e sugeri arquibancada. Minha intenção era estar bem perto dos torcedores do setor mais popular, a fim de sentir o comportamento deles.

Ouvi histórias de que a torcida ficava muito perto do campo, que a pressão na arbitragem e nos jogadores rivais era enorme, que havia uma velha guarda bem fanática e boca-suja.

Outra atração era o famoso cannoli, doce italiano que seria comercializado nas dependências do estádio.

Fomos de arquibancada, ao preço unitário de R$ 30 (inteira), e a escolha foi por ingresso para setor da equipe mandante. Como a compra foi feita em um site parceiro, e não na bilheteria do clube, houve uma taxa de serviço (R$ 4,80).

Marcamos de nos encontrar no portão de entrada. Fui de carro (Eric optou por táxi), cheguei cerca de 40 minutos antes do apito inicial, e foi bem fácil estacionar –não na rua Javari, que tinha um certo movimento, mas em uma rua paralela, a cinco minutos a pé do portão. Nada de flanelinha.

O tempo estava fechado. Não chovia, contudo o frio imperava: 12°C, com sensação térmica de 10°C.

As mudanças climáticas estão mesmo impressionantes, já que na quinta-feira (24), apenas três dias antes, os termômetros na capital paulista superaram os 32°C no meio do inverno.

Entramos, sem enfrentar fila, após rápida revista policial e ao exibir os ingressos (que tinham sido impressos) a um funcionário. Ganhamos um copo temático (com um “J” de um lado e o Moleque Travesso, mascote do time, do outro) e nos dirigimos às arquibancadas.

Até havia um lugar fixo marcado no ingresso, porém era só uma formalidade. Era permitido ficar em qualquer espaço vago, na área central mais próxima ao portão ou atrás de um dos gols.

As arquibancadas centrais do lado oposto eram destinadas à torcida do Oeste. O time de Barueri (Grande São Paulo) tinha ali uma dúzia de (nada animados) aficionados.

Os dois times batiam bola no campo (um de cada lado), naquele momento próximos à arquibancada central da torcida juventina, e era possível, para quem quisesse ficar grudado no alambrado, ouvir a conversa dos jogadores, caso eles falassem em tom de voz não muito baixo.

Uns dez minutos antes do começo do jogo, cantos e batucadas: adentravam o recinto torcedores organizados do Juventus, quase todos vestidos nas cores do time (grená e branco), com camisetas, bonés, agasalhos.

Dirigiram-se para a esquerda, para se situarem atrás de um dos gols, e nós optamos, sem um motivo específico, por ir para a direita, ficando atrás do outro gol.

Nos posicionamos de pé, enquanto era tocado o hino nacional, e ao fim dele ouvimos um homem perguntar, atrás de nós: “Vocês conhecem algum jogador do Juventus?”.

Ele se apresentou como representante do Volta Redonda, time do RJ que faz boa campanha na Série C do Brasileiro, em busca de novos talentos para reforçar o clube.

Não, não conhecíamos. Os últimos de que me lembrava atuaram pelo Juventus nos anos 1980: o meia Gatãozinho e o atacante Silva. Este último ficou célebre por marcar de bicicleta, no Pacaembu, o gol do time em empate por 1 a 1 com o Corinthians.

Aliás, ao longo do jogo com o Oeste, notei que nem os próprios torcedores do time da Mooca –cujo técnico, Jorginho Cantinflas, tem rodagem no futebol– sabiam os nomes dos atletas.

Referiam-se a eles sempre pelo número da camisa. Por exemplo, após serem feitas substituições, ouvi esta frase: “Saíram os pontas, o 7 e o 11”.

Partida iniciada, quem atacava para o lado em que estávamos era o visitante.

“Vamos para o outro lado, deve ter mais chance de sair gol lá”, eu afirmei, confiando no fator campo, já que, das equipes, só sabia do equilíbrio na tabela (Juventus com 13 pontos, terceiro no grupo, Oeste com 12 pontos, quarto colocado).

Fizemos o percurso em cerca de cinco minutos, passando, antes de nos fixarmos próximos à bandeira de escanteio, quase sob o placar manual (Juventus 0, Visitante 0), pela torcida organizada.

Havia algumas faixas penduradas atrás dela, em uma cerca de arame, e uma delas assim dizia: “Canta ou sai”.

Mensagem explícita: para ficar ali, exatamente atrás do goleiro adversário, era compulsório cantar. Quem não cantasse que saísse dali. E todos, sem exceção, cantavam –alto, sem parar, durante todos os minutos do jogo– versos de apoio ao Juventus.

Minto. Paravam de cantar, brevemente, para xingar o goleiro e os zagueiros do Oeste.

O jogo estava disputado, e a pouca distância para o gramado permitia ouvir sons que a TV não emite, como a batida da chuteira na bola e os gritos dos atletas ao sofrerem faltas.

Disputado e ruim: em um gramado irregular, houve muita vontade dos dois lados, só que com qualidade técnica mínima. O olheiro do Volta Redonda deve ter ficado frustrado.

O único dos 22 que me pareceu além do medíocre foi o número 8 do Juventus, o mais baixo em campo, que era hábil e rápido, em um estilo que parecia com o do são-paulino Lucas Moura. Masson é o nome dele.

Ainda no primeiro tempo, em um intervalo de 16 minutos (aos 14 e aos 30), saíram os dois gols da partida.

Ambos oriundos de escanteios, batidos bem próximos de onde estávamos pelo mesmo jogador, o camisa 5 (Léo Couto) –curiosamente, o primeiro com o pé direito, o segundo com o pé esquerdo.

Ambos de cabeça, o primeiro na grande área (o número 2, Danilo), o segundo na pequena área (o número 9, Ruan).

Os gols deram um toque positivo a mais à acertada viagenzinha até a Mooca –0 a 0 é chato para quem vai a qualquer estádio.

Nada mais chamou a atenção em campo, a não ser dois chutes fortes, altos e sem direção (houve mais dois no segundo tempo) em que bola ultrapassou os limites dos muros do estádio e sumiu. Não sei como os gandulas fizeram para recuperá-las, se é que as recuperaram. Bolas reservas (havia várias) foram utilizadas.

Pouco antes das 11 horas, o árbitro, com seu uniforme todo azul calcinha, apita duas vezes. Intervalo.

Pelos alto-falantes, o locutor anuncia a atração desses 15 minutos. Fãs selecionados do Juventus presentes à Javari (sócios-torcedores) teriam o desafio de, do meio do campo, acertar a bola no gol.

A distância é de cerca de 50 metros, e o prêmio para quem conseguir é um ano de isenção de pagamento no programa que oferece como benefício, entre outros, gratuidade na arquibancada para todos os jogos em casa da equipe, a um custo de R$ 10 por mês.

Gratuidade para a vida toda também tinha: bastava dar um petardo preciso, com a bola fazendo a parábola perfeita para atingir o travessão –desafio bem bolado, porém feito para ninguém conseguir.

Só vi a primeira tentativa: um chute torto e rasteiro que percorreu uns 20 metros. Nada de prêmio dessa vez.

Era a hora do cannoli. Fomos ao espaço que fica entre o portão de entrada e o acesso às arquibancadas e cadeiras, e lá nos deparamos com uma fila gigante, calculei de umas 200 pessoas. Fui ver se era o que imaginei, e era: para comprar a guloseima em formato de tubo, com recheios sortidos.

Eric entrou no fim da fila, bem mais otimista que eu. Dirigi-me à barraca em que eram feitas as vendas e questionei: “Mas vai ter para todo mundo?”. A resposta: “Fazemos de 1.000 a 1.500 [unidades] por jogo, esperamos que sim”.

Passados alguns minutos, a partida estava recomeçando e a fila quase não havia andado. A constatação: tem gente que permanecerá o segundo tempo inteiro na fila do cannoli.

Não foi nosso caso. Retornamos e nos posicionamos atrás do gol defendido pelo Oeste, o mesmo em que Pelé marcou o golaço pelo Santos contra o Juventus 64 anos atrás. Aquelas redes voltariam a balançar? Não, não voltaram.

Quem voltou, para tentar comprar o cannoli no meio da segunda etapa, foi o Eric. Sem esperança, pedi que trouxesse um de chocolate para mim.

Minha desesperança prevaleceu. Uns dez minutos depois, ele regressou de mãos vazias, pois a fila continuava imensa, mas com a cabeça ocupada: comprara em lojinha do Juventus um boné do clube, por R$ 59.

Enquanto pensava comigo que não seria desta vez a degustação do doce (ainda haveria uma chance final, na saída), olhei para o lado e notei uma família (dois adultos, uma criança) feliz, não necessariamente com o resultado do jogo. Mastigavam cannolis, e tinham mais deles consigo –vi três em uma embalagem de isopor que estava aberta.

Aliás, havia muitas famílias com crianças na manhã dominical no estádio da rua Javari. Mães e pais tinham um olho no jogo, o outro nos pequenos e pequenas que subiam e desciam as escadas das arquibancadas.

Os velhinhos que eu esperava encontrar não apareceram em grande quantidade ou estavam todos nas numeradas –não olhei atentamente para elas–, mais distantes do campo. A maior parte dos 1.942 pagantes (a capacidade do estádio é de 3.800) me pareceu ser de jovens.

Sendo moços ou não, todos saíram satisfeitos com a vitória, que deixou o Juventus com boa chance de se classificar para a fase eliminatória da Copa Paulista.

Insatisfeita só a dúzia de fãs do Oeste, que se dirigiu pouco educadamente ao trio de arbitragem quando este saía para o vestiário, que ficava anexo ao espaço da torcida visitante.

Neutros, Eric e eu consideramos divertida e marcante a visita à rua Javari, mesmo sem os cannolis –ao sairmos, a fila ainda estava lá, com umas 30 a 40 pessoas.

Se você nunca foi, recomendo.

E, se o cannoli for imprescindível, leve alguém para ficar na fila. Só para isso.

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